CÂNCER COLORRETAL

O Câncer Colorretal, ou de cólon e reto (CCR) é uma doença comum e letal, sendo, atualmente um dos tumores malignos mais frequentes em todo o mundo. Neste texto, abordaremos o CCR de um modo mais amplo, considerando os tumores do intestino grosso – ou cólon – e os do reto. No entanto, como os tumores do reto apresentam peculiaridades relevantes devido à sua localização na pelve, estas serão abordadas num texto apenas sobre o câncer de reto.

Nos países com alta incidência, o CCR tem sido considerado um problema de saúde pública. No mundo, anualmente, são diagnosticados cerca de um milhão de novos casos, o que corresponde a 9,4% de todos os tumores malignos.

Atualmente, ocupa a terceira posição mundial entre os tumores malignos e a segunda nos países desenvolvidos. No Brasil, encontra-se em quarto lugar, mas tem aumentado de prevalência, seguindo a tendência observada nos países desenvolvidos.

Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), em 2016 eram esperados 34.280 novos casos de CCR (um salto de mais de seis mil novos casos se comparado às estimativas de 2010): 16.660 casos em homens e 17.620 casos em mulheres. Já o número de mortes por CCR em 2013, de acordo com o SIM/MS, foi de 15.415 (sendo 8024 mulheres, pouco mais da metade dos óbitos).

O risco estimado para esses valores é de 14 casos novos a cada 100.000 homens e 15 para cada 100.000 mulheres. No Brasil, sua incidência apresenta grandes variações, dependendo das regiões consideradas. Os dados estatísticos mostram claramente uma relação quase que direta entre o grau de desenvolvimento sócio-econômico de determinadas áreas e a incidência do CCR. Os países com maiores taxas de incidência são os Estados Unidos, o Japão, o Canadá e a Nova Zelândia, todos com incidência anual maior que 30 novos casos por 100.00 habitantes. Já os países com menor incidência são a Argélia e a Índia, com menos de 1 caso novo por 100.000 habitantes. Nos Estados Unidos, segundo a American Cancer Society, se forem excluídos os tumores de pele, o câncer de cólon é o terceiro mais comum tanto em homens quanto em mulheres.

A idade é o fator mais importante de risco no CCR esporádico. Seu diagnóstico é raro antes dos 40 anos e sua incidência começa a aumentar significativamente entre os 40 e 50 anos, e as taxas de incidência relacionadas à idade aumentam sucessivamente a cada década subsequente. Nos países ocidentais, o risco de CCR aos 80 anos de idade é de 1 em 10 para homens e 1 em 15 para mulheres. O risco acumulado ao longo da vida, na população de médio risco, é em torno de 1 em 19 (5,2%), com 90% dos casos ocorrendo após os 50 anos de idade. A incidência é mais alta em pacientes portadores de condições genéticas específicas que facilitam o aparecimento de CCR.

Nos Estados Unidos, as taxas de incidência tiveram leve queda, em torno de 2,4%, entre 1998 e 2006, ao contrário da maioria dos outros países ocidentais, onde as taxas de incidência aumentaram levemente nesse mesmo período. A prevalência do CCR é alta devido ao grande número de novos casos e à melhoria que ocorreu nas taxas de sobrevida global. De fato: morre-se cada vez menos de causas infecciosas e outras causas evitáveis, inclusive tumores que podem ser prevenidos com mudanças de hábitos de vida, como os de colo uterino (preveníveis com exames preventivos anuais) ou os de pulmão (que tendem a reduzir à medida em que se combate o tabagismo).

Nas últimas décadas, houve aumento da incidência nas áreas de baixo risco e uma estabilização e até pequena queda nas áreas de alto risco. O envelhecimento da população, o crescente sedentarismo e a utilização de dietas inadequadas provavelmente são alguns dos fatores responsáveis pelo aumento da incidência nas áreas de baixo risco.

A taxa de mortalidade do CCR, nos países desenvolvidos vem caindo lentamente desde a metade dos anos 1980. O crescente número de exames realizados para prevenção dessa doença trouxe um aumento na detecção e remoção de pólipos e um maior número de cânceres encontrados em estágios mais precoces.

Esses dois fatores certamente são responsáveis por parte dessa queda na taxa de mortalidade. Outro fator de relevância é a melhora na qualidade do tratamento do CCR ocorrida nos últimos anos, principalmente no que diz respeito ao tratamento adjuvante (quimioterapia, radioterapia e anticorpos monoclonais, utilizados como complementação ao tratamento cirúrgico).

A sobrevida média global em cinco anos varia de 40%, nos países em desenvolvimento, a 55% nos países desenvolvidos. A menor taxa de mortalidade é encontrada nos Estados Unidos, com cerca de 61% de todos os pacientes tratados sobrevivendo 5 anos. Na China e Europa Oriental, as taxas de sobrevida em 5 anos são mais baixas – 32 e 30% respectivamente.

Essas taxas são consideradas boas, o que faz com que esse tipo de câncer tenha a segunda maior prevalência global, com cerca de 2,4 milhões de pessoas vivas com esse diagnóstico no mundo todo.

Diversos fatores ambientais, genéticos, geográficos, alimentares, medicamentosos bem como características físicas e doenças podem influir no risco de desenvolvimento de CCR. Fatores ambientais e genéticos podem aumentar a probabilidade de desenvolvimento de CCR.

Embora predisposição genética resulte em aumentos importantes no risco, a maioria dos CCR é do tipo esporádica, mais que de origem familiar.

O melhor entendimento da patogênese molecular do CCR, que ocorreu na última década, nos levou a identificação de diversas alterações genéticas, as quais estão associadas a um risco extremamente alto de desenvolvimento de CCR.

Os hábitos cotidianos estão diretamente relacionados ao risco de desenvolver câncer. A alimentação é um importante fator tanto do aspecto protetor como do aspecto causal. O risco de CCR está associado ao estilo de vida ocidental.

Nos últimos anos, vários estudos grandes foram realizados para elucidar quais fatores diminuem e quais aumentam o risco de desenvolvimento do câncer colorretal. Apesar de ser foco de intenso estudo, os achados de fatores nutricionais são controversos, não sendo possível destacar individualmente um fator isolado. Porém, hoje o padrão dietético geral pode ser utilizado na formulação de recomendações.

Vários estudos mostram que o consumo de carnes vermelhas, embutidos, grãos refinados e amido está associado a um aumento do risco para desenvolver CCR. A troca desses alimentos por carnes brancas, proteínas de origem vegetal, gorduras insaturadas (também de origem vegetal), grãos integrais, legumes e frutas parecem diminuir o risco. O papel de suplementos nutricionais como cálcio, vitamina D, folato, vitamina B6, entre outros, permanece incerto. Já os medicamentos como aspirina, anti-inflamatórios não esteroidais e reposição hormonal na mulher após a menopausa também diminuem o risco. No entanto, seu uso como “profilaxia” deve ser pesado contra os efeitos colaterais, que não são insignificantes. Por esta razão, não são rotineiramente empregados, salvo excepcionalmente e em casos muito selecionados.

Quanto ao estilo de vida, a evidência indica que evitar tabagismo e etilismo, prevenir obesidade e manter a prática de atividade física moderada diminuem significativamente o risco de CCR. Há uma tendência atual em atribuir ao diabetes mellitus e à hiperinsulinemia um papel causal na etiopatogênese do CCR, mas sua atuação na gênese do CCR assim como da síndrome metabólica ainda não está comprovada.

Em resumo, a adoção de estratégias de saúde pública para o estímulo à adoção de um estilo de vida saudável com diminuição do consumo de bebidas alcoólicas, cessação do tabagismo, realização de exercícios físicos, perda de peso e diminuição no consumo de carnes vermelhas e embutidos podem diminuir a incidência do câncer colorretal.

O grupo populacional com risco moderado corresponde às pessoas de ambos os sexos, acima de 50 anos de idade, que é a faixa etária em que o CCR é mais frequente. Neste grupo, o risco de desenvolver, ao longo da vida, alguma neoplasia colorretal é de 4 a 6% entre os homens e 2,5 a 4% entre as mulheres. Esse grupo é o alvo das campanhas de rastreamento populacional.

No grupo com risco alto estão incluídas as pessoas com algum familiar de primeiro grau que teve uma neoplasia colorretal antes dos 45 anos, ou mais de um familiar de primeiro grau que teve esse tipo de neoplasia em qualquer idade, ou ainda aqueles que tiveram um familiar de primeiro grau com pólipo do tipo adenoma maior que 1 cm. Também estão neste grupo pessoas que na colonoscopia tiveram um adenoma maior do que 1 cm, múltiplos adenomas maiores que 1 cm ou câncer colorretal. Entram também aqueles com doença inflamatória crônica, como retocolite ulcerativa ou doença de Crohn de longa duração (mais de oito anos de diagnóstico). O risco de esse grupo desenvolver uma neoplasia colorretal ao longo da vida varia entre 20 a 30%.

Finalmente, o grupo com risco muito alto compreende as pessoas que pertencem a famílias com história de câncer com características autossômicas dominantes ou outros tipos de transmissão hereditária. As síndromes hereditárias mais comuns são: polipose adenomatosa familiar (PAF) clássica ou atenuada, síndrome de Peutz-Jeghers e síndrome de polipose juvenil. Pacientes deste grupo têm risco de desenvolver neoplasia colorretal de 40 a 100%.

O conhecimento dos grupos de risco a que cada pessoa pertence é fundamental no momento em que se planeja o rastreamento do CCR, seja ele por meio de exames de sangue oculto nas fezes ou por colonoscopia.

Os pacientes com câncer colorretal podem apresentar um quadro muito pobre de sintomas bem como podem iniciar o quadro com sintomas exuberantes. É importante salientar que não existem sintomas típicos ou patognomônicos (ou seja, sintomas que definem uma determinada doença) que nos indiquem se tratar de CCR e não de alguma outra doença.

De maneira geral, o início pode ser de uma das três formas, nesta ordem no que se refere à frequência de sua ocorrência: insidioso (ou seja, de lenta evolução); com sintomas progressivos ou abruptos de obstrução intestinal; ou de forma súbita e intensa com indícios de perfuração intestinal com peritonite associada.

A maioria dos pacientes com sintomas de câncer colorretal apresenta dor abdominal (44%), alterações do hábito intestinal (43%), hematoquezia (40%) e anemia sem uma causa aparente (11%). Sinais de fraqueza (20%) e perda de peso (6%) também podem ocorrer.

O estadiamento do CCR (levantamento do estádio da doença, ou seja, o quão avançada é a doença) é fundamental para decidir sobre o tratamento, podendo determinar a necessidade de radioterapia e/ou quimioterapia antes de eventual cirurgia (tratamento neoadjuvante), bem como para planejar cirurgias mais conservadoras ou radicais.

Atualmente, a combinação do exame clínico e de diversos métodos diagnósticos constitui a melhor maneira de estadiar estes pacientes.

No estadiamento local do câncer de reto podemos lançar mão do exame do toque retal aliado às informações da ultrassonografia retal (ERUS) ou da ressonância magnética (RM). Em lesões mais avançadas (fixas ao toque retal, com estreitamento do reto, etc.) prefere-se o emprego da RM e, em lesões móveis, possivelmente com estadiamento T1 ou T2, a ERUS pode ser uma boa alternativa.

Para a avaliação de metástases à distância, utiliza-se mais frequentemente a tomografia computadorizada (TC), incluindo a avaliação do tórax e do abdome. O PET/CT por sua vez, um tipo especial de exame que combina dois tipos distintos de tomografias realizadas ao mesmo tempo, é utilizado para dirimir dúvidas, tanto sobre a doença local, como no estadiamento de eventuais metástases à distância, podendo ainda ser útil na avaliação após a terapia neoadjuvante (avaliando resposta, comparando-se a um exame anteriormente realizado) e na suspeita de recidiva neoplásica (quando os tumores retornam apesar do tratamento. Por ser exame muito oneroso e realizado em poucos centros, o PET/CT é excepcionalmente empregado.

A maioria dos cirurgiões opera por meio de laparotomia, com incisão mediana (um extenso corte – ou incisão – no “meio da barriga”). O acesso mediano permite ampla visibilização e permite a exploração de toda a cavidade abdominal, mantém a ferida cirúrgica longe de possíveis desvios intestinais que podem ser necessários, como colostomias ou ileostomias.

Aproximadamente 20 ou 30 anos atrás os cirurgiões usavam o aforisma “Grandes cirurgiões, grandes incisões”, mas com o advento da cirurgia minimamente invasiva sabe-se que é possível fazer a mesma cirurgia por meio do acesso laparoscópico, com resultados melhores em relação à estética, possibilitando antecipar o retorno às atividades pessoais e profissionais, menor desconforto e menos dor após a cirurgia.

O dito tratamento adjuvante é aquele realizado após um tratamento cirúrgico, de forma complementar. É empregado com o intuito de reduzir o risco de recidiva (o retorno de um tumor tratado incialmente) e morte relacionada à doença. Estes riscos ocorrem pois, mesmo após uma cirurgia que elimina completamente o tumor e suas margens, células ainda viáveis podem permanecer ou mesmo já ter se espalhado pelos vasos linfáticos (drenagem linfática) ou pela corrente sanguínea (disseminação hematogênica).

A análise histórica de sobrevida de diferentes subgrupos de pacientes com CCR permitiu a identificação de critérios relacionados ao maior ou menor risco de recidiva e óbito provocado pela doença. Desta forma, é possível estimar os potenciais benefícios de se realizar um tratamento complementar, como a quimioterapia – isoldamente ou combinada à radioterapia em tumores pélvicos do reto.

No entanto, há que se considerar também que tais tratamentos representam toxicidade e morbidade a um percentual destes pacientes, particularmente mais alta em determinados regimes (esquemas de medicamentos quimioterápicos) e em grupos de pacientes muito idosos ou com doenças crônicas graves, por exemplo. Caso dos cardiopatas ou dos que têm insuficiência renal.

Portanto, a escolha sobre a oportunidade de se indicar um ou mais tratamentos, sejam cirúrgicos ou combinados, deve ser realizado por equipe multidisciplinar, onde o cirurgião, o patologista e o oncologista – além dos médicos que já acompanham um determinado paciente por outras doenças crônicas – tenham um bom diálogo e envolvimento para que se proponham ao paciente os tratamentos mais adequados, os quais sempre devem ser individualizados para cada caso.

Assista ao Vídeo: TAMIS e Videolaparoscopia para Tratamento de Tumores Colorretais Sincrônicos